A história do Brasil e de suas
estruturas políticas emerge de preceitos patriarcais e opressores. Em todo o
mundo a política foi feita por homens e para os homens - quando digo homens não
uso o termo no sentido de seres humanos, mas sim de sujeitos que se reconhecem
enquanto parcela da sociedade detentora de privilégios e dominação nas relações
hierárquicas de gênero -, e se a democracia é ainda uma criança, a participação
das mulheres nessa democracia é ainda mais jovem. Por séculos as mulheres foram
excluídas dos espaços de poder e de decisão, não por lhes faltar capacidade ou
força, mas sim por viverem em uma estrutura social totalmente construída para
lhes manter confinadas à esfera do lar e longe dos espaços públicos. As formas
de exercício de poder ou de agência das mulheres foram, por longos anos, na
clandestinidade, na subversão e na resistência. Os direitos humanos foram em
seu principio direitos do homem e para conquistá-los muitas de nós dedicaram
suas vidas!
No Brasil, nossa recente
democracia foi protagonizada por homens em praticamente toda nossa história e, somente
em 2010 uma mulher chega à presidência da república. A primeira mulher a ser
eleita democraticamente para o cargo de presidenta, a primeira a ser reeleita
pela soberana vontade popular e também a primeira a ser afastada por meio da
fabricação de crimes que não cometeu.
Durante todo seu governo, Dilma
foi hostilizada de forma misógina, enfrentou coisas bem diferentes de criticas
ao seu governo, foi submetida a ataques machistas. Dilma sofreu de forma
personificada os ataques que historicamente foram direcionados a todas as
mulheres, foi estereotipada de frigida, histérica, feia, incapaz, fraca, desejaram-lhe
que fosse estuprada, homenagearam os que a torturaram e conspiraram para que
fosse afastada de um espaço de poder que foi uma conquista de todas as mulheres
brasileiras. Diversos apoiadores do golpe adoraram a frase “tchau querida” como
mais uma forma de atacar a presidenta eleita Dilma, essa frase deixa claro que
essas manifestações se tratam unicamente de ataques machistas, de uma tentativa
de reafirmar que os espaços de poder pertencem aos homens e que mulheres não
podem permanecer nesses lugares, mesmo que tenham sido escolhidas pelo povo.
Vemos que o golpe à democracia é
nitidamente um golpe contra os avanços das mulheres quando no discurso de
afastamento da presidenta eleita Dilma temos ao lado dela a ex-Ministra da
Agricultura Kátia Abreu, uma mulher liderança do PMDB – partido que articulou a
farsa para tomar o poder no tapetão -, estando visivelmente abalada com a
consumação do golpe e que em um ato de sororidade se coloca ao lado de Dilma
nos momentos mais difíceis, porque acima de convicções partidárias sabe de que
lado está nessa trincheira de gênero.
Ainda mais simbólico na imagem do
discurso após o anuncio oficial do afastamento é perceber que Dilma estava
cercada pela diversidade, mulheres, negras, fortes, combatentes que foram
torturadas na ditadura de 64, companheiras de luta! Enquanto isso, Temer
nomeava seus ministros - assim mesmo como está na frase, sem flexão de gênero,
ministrOs com um O bem grande -; não há nenhuma mulher indicada pelo governo
ilegítimo de Michel Temer, e isso não ocorria desde os tempos nefastos da
ditadura militar. Entre os homens, brancos e heteros – não que esses três
adjetivos sejam defeitos, defeituosa é a normatização e hegemonização de um
espaço que deveria ter a cara do povo e de povo não tem nada, porque no povo
tem mulher, tem negra, tem LGBT...- sete dos indicados foi indiciado pela Lava
Jato, ou seja, provam que o impeachment não foi para combater corrupção ou
irresponsabilidade fiscal e sim para dar curso a um projeto antipopular,
antidemocrático e patriarcal.
Em seu primeiro dia de governo ilegítimo,
Temer já mostra a que veio, decreta pela medida provisória n º 726 a extinção
do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, além do
Ministério da Cultura e outros. A extinção desse ministério que foi conquistado
com árdua luta dos movimentos de mulheres, negros(as), LGBT e de todos os
segmentos sociais que foram historicamente oprimidos e invisibilizados mostra
mais uma vez que esse golpe é contra os avanços das mulheres, é pela retirado
de nossos direitos e políticas públicas que foram conquistados com muita luta e
causam muito incomodo àqueles que vem perdendo seus privilégios de opressores
dominantes. Se faz necessário considerar que a extinção de meia dúzia de
ministérios obviamente não irá resolver a crise, mas por meio da escolha
daqueles a serem extintos percebemos claramente o que está sendo deixado em
último plano por esse (des)governo.
Esse governo ilegítimo remonta as
estruturas dos séculos passados e quer confirmar as mulheres a serem belas,
recatas e do lar, bem como está confinada a 1º dama, esposa do tal presidente
interino que não teve votos!
Nós, mulheres, sabemos quanta
luta nos custaram nossos direitos e avanços e por isso não abriremos mão deles,
não aceitaremos pacificamente nenhum passo atrás, pois foi-se o tempo em que
homens escreviam nossa história, foi-se o tempo em que direitos eram
exclusivamente do homem e é tempo de sermos fortes, aliadas e subversivas! Força queridas!Colunista Janína Zdebsky
Estudante de História na UFSC
Ex-Diretora de Cultura da UCE.
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