Muitos
são os desafios desta geração do movimento estudantil brasileiro.
Aprofundar as mudanças passa por romper definitivamente com as velhas e
arcaicas estruturas de poder, radicalizar e continuar a democratizar o
acesso ao ensino superior e avançar cada vez mais na assistência
estudantil garantindo a permanência do estudante, resolver
definitivamente o grande entrave do financiamento público de educação e
assim fortalecer o modelo de universidade pública, de qualidade e
socialmente referenciada. Também continuar a pavimentar novas conquistas
de direitos e de protagonismo juvenil. Dentre tantas as tarefas, uma
não se pode jamais passar despercebida ou mesmo menosprezada, a luta
pelo direto à memória, verdade e justiça.
Temos a necessidade de recontar e reconstruir a historia do Brasil,
particularmente a do período dos “anos de chumbo”, marcados pela
profunda repressão política, pelo “pau-de-arara” e pela recessão das
liberdades democráticas que a UNE, assim como uma grande parcela do povo
brasileiro, vivenciou nos anos de 1964 até o final dos anos 80.
Foi neste nefasto regime militar, que centenas de jovens – os mais
destemidos do seu tempo, desaparecem dos cárceres e dos porões para
entrar nas estatísticas ainda veladas do aparato militar, mas também
entraram na história dos mártires dos que ousaram enfrentar as noites
silenciosas e sombrias da repressão política. Pois bem, é do resgate
deste período que devemos falar.
O Brasil tem sofrido fortes pressões internas dos movimentos sociais e
de todos os setores progressistas da sociedade para que se abram os
arquivos secretos do regime militar – particularmente a partir da
vitória de Luis Inácio Lula da Silva em 2002 – e também pressões
externas como foi o caso da condenação que sofremos da Corte
Interamericana de Direitos Humanos em novembro de 2010. A referida
sentença condena nosso País a promover a investigação e julgamento
daqueles envolvidos com o caso do aniquilamento e do desaparecimento de
militantes e camponeses envolvidos no episódio da Guerrilha do Araguaia,
pelo crime de lesa-humanidade.
Segundo a própria Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos da Corte: “cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente
nos primeiros meses da ditadura; cerca de 20 mil presos foram
submetidos a torturas; há 354 mortos e desaparecidos políticos; 130
pessoas foram expulsas do país; 4.862 pessoas tiveram seus mandatos e
direitos políticos suspensos, e centenas de camponeses foram
assassinados.”
Neste contexto, o governo brasileiro cede às pressões e avança quando
instala a Comissão Nacional da Verdade (CNV) sob o mote “Para que nunca
se esqueça, para que nunca mais aconteça” iniciando seus trabalhos no
dia 16 de maio de 2012.
Para os reacionários da sociedade, ainda hoje atuantes nas esferas
públicas do estado brasileiro, e que têm em suas mãos sujas o sangue dos
nossos desaparecidos, trata-se do medo da verdade se estabelecer,
trata-se de revanchismo como o próprio general da reserva Clovis
Bandeira, vice-presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, já em
outrora havia classificado.
Aliás, a disputa que travamos é uma disputa do velho contra o novo e
precisa ser feita dentro do próprio governo brasileiro. Sabe-se, por
exemplo, e é publico, que quadros do SNI (Serviço Nacional de
Informações) que atuaram a serviço do regime militar na repressão ainda
permanecem nas esferas do estado. Caso marcante é o do órgão de estado
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência – que concentra uma parcela
importante das informações em mãos dos que atuam contra a verdade e
justiça.
Para nós, que atuamos na defesa da democracia no Brasil, a tarefa é
mais que revelar a verdade dos fatos, sua importância projeta-se para
além, é uma necessidade civilizacional do nosso povo, uma questão da
dimensão democrática e por isso está mais do que nunca em curso.
Conhecer profundamente nosso passado, nossa história, por mais
dolorosa que seja, significa ter a clareza e a certeza que não
voltaremos a esses tempos e que sabemos exatamente em qual caminho
caminhar e para onde seguir. Na América Latina, por exemplo,
experiências de abertura de arquivos secretos de regimes ditatoriais
como no Chile e Argentina foram fundamentais para avançar a democracia
nessas nações.
A UNE ao longo de toda a sua história, e não poderia ser diferente,
tem atuado no sentido de resgatar não somente a verdade dos fatos,
ampliando a luta pelos direitos humanos, vacinando nossa consciência
nacional e elucidando mentes, mas também exigir punição aos torturadores
e agentes da repressão que levaram tantos estudantes e em especial ao
nosso eterno presidente Honestino Guimarães ao seu desaparecimento
físico – Honestino sempre estará presente enquanto existir uma bandeira
azul da UNE tremulando em qualquer canto e luta democrática desse país–
resgatar também os seus restos mortais prestando-lhe a homenagem da
despedida honrosa da vida que teve, esta deve ser uma conquista da
geração atual da UNE.
Um exemplo importante que a UNE deve seguir são os dos índios da
etnia Suruí, que vivem nas terras no Sul do Pará, que acabaram por criar
sua própria comissão da verdade que será coordenada pela psicanalista
Maria Rita Kehl, uma das integrantes da Comissão Nacional da Verdade.
A Comissão da Verdade da UNE será uma poderosa ferramenta de
investigação, acompanhamento e pressão pela imediata abertura dos
arquivos secretos do regime militar. Nossa tarefa está dada e a UNE não
recuará dos seus desafios. Afinal, como Honestino mesmo disse: “Podem
tentar nos matar, podem tentar nos aniquilar, mas um dia, nos
voltaremos, nos multiplicaremos e seremos milhões…”.
Pedro Fonteles é diretor da executiva da UNE
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