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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Catarinenses no lançamento da Comissão da Verdade da UNE


Com a presença sobrenatural de Honestino Guimarães, mais de mil estudantes e convidados fazem história no Recife

Estudantes Catarinenses participaram do lançamento da Comissão da Verdade da UNE. O auditório do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, na federal de Pernambuco, encontra-se com todas as suas luzes apagadas. Está quente, extremamente úmido e abafado. No escuro, há uma atmosfera impregnante, com a respiração e o suor de mais de mil pessoas corpo a corpo, número muito maior do que a lotação máxima e o bom senso. O ar condicionado não funciona. Não há nenhum espaço possível entre os assentos e muitos ocupam o chão, as portas e até o palco. Do lado de fora, há ainda outros tantos em esforço para entrar.

A única iluminação presente atrai absolutamente todos os os olhos. É um telão onde se projeta um filme. Trata-se da história sobre a vida e as dúvidas sobre a morte de Honestino Guimarães, jovem brasileiro perseguido pela ditadura militar e que nunca mais foi encontrado a partir do ano de 1973. Honestino foi presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) durante o período mais brutal da história do movimento estudantil brasileiro.

O filme termina e as luzes são acesas. Muitos choram. São estudantes de todo o Brasil presentes ao ato de lançamento da Comissão da Verdade da UNE na sexta-feira (18) em Recife. Os jovens aplaudem, se levantam e gritam: “Honestino Guimarães, presente!”, seguidamente. Em meio a toda comoção, algumas poucas pessoas permanecem caladas. Um senhor de meia idade, careca e de óculos, sentado na primeira fila. olha para baixo com o ar grave. Segura o choro o tanto que pode, apoiando-se com o cotovelo sobre os joelhos. É Cláudio Fonteles, jurista, coordenador da Comissão Nacional da Verdade, primeira iniciativa da história do Brasil para apurar e esclarecer crimes cometidos pelo estado em períodos de exceção como o que durou de 1964 a 1985.

Pouco tempo depois, Fonteles está no palco, ao lado de outros convidados, com o microfone em mãos.“É um momento de muita emoção, Honestino foi meu amigo, estudou comigo no ginásio. Tenho 66 anos, mas hoje voltou a mim um calor de 14 ” declara aquele que é hoje responsável, a pedido da presidenta Dilma, por organizar o estudo e debate sobre documentos secretos, relatos até então escondidos, fatos e mistérios que ainda pairam sobre torturas e mortes na ditadura. Cláudio  Fonteles firmou compromisso de colaboração total com a Comissão da UNE: “Minha proposta é criarmos uma rede permanente de defesa da democracia”, defende.  


Outro momento. A vice-presidente da Comissão de Anistia Sueli Belato está falando: “Estou muito emocionada. Nós estamos juntos aqui não porque vivemos uma longa e difícil noite, mas porque temos um projeto de vida em comum. É um projeto que não tolera injustiça, não tolera violência”. Ela elogia a iniciativa da Comissão da UNE e diz que a busca pela verdade, para as famílias das vítimas da ditadura, vale mais do que a reparação ou indenização da anistia.

Quem está agora com o microfone é um jovem, sereno, olhar altivo e voz calma. É o sobrinho de Honestino, Mateus Guimarães, o primeiro familiar dos mais de 40 ex-dirigentes da UNE que serão objeto de investigação da recém-criada Comissão. “ Quero hoje falar sobre a pessoa de Honestino Guimarães, ele era um ser humano especial. Foi a qualidade de amar demais que o levou à luta contra a injustiça. Temos que pensar o que faremos com a liberdade que Honestino e tantos outros nos deram com suas próprias vidas. Convido a todos a pensar isso com um olhar de amor, com o olhar de Honestino”.


Há, em cima do palco, uma série de quadros pregados, trazendo os rostos de estudantes vítimas da ditadura. O de Honestino está ao centro, é o maior de todos. Enquanto Mateus ainda está falando, o quadro de Honestino desprende-se e cai no chão do palco, à frente de todos convidados. O barulho é marcante e prende a respiração de todos. Há um silêncio quase inifinito, durante apenas cinco segundos, até todas as pessoas presentes no auditório entenderem o que acontece. Honestino Guimarães está presente.

Arrebatamento. O presidente da UNE, Daniel Ilisecu, aceita o sobrenatural e faz, conscientemente, o gesto que será eternamente lembrado em seu nome: recolhe o quadro do chão e inenarravelmente ovacionado, acomoda-o em uma cadeira ao centro dos convidados.

O ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanuchi, líder estudantil preso durante a ditadura e também contemporâneo de Honestino, escolhido pelos estudantes para auxiliar a Comissão da UNE,  tem agora o microfone: “Daniel Iliescu refaz aqui, de outra forma, o gesto do Congresso da UNE de Salvador, em 1979, quando a UNE foi recriada após a ditadura e ali foi deixada, propositalmente, uma cadeira vazia em homenagem a Honestino”. Um atual diretor da UNE, espremido atrás do telão pela falta de espaço, chora sem saber se deixa-se ser visto ou esconde.

Ao final de todas as falas, um grupo de estudantes entra no palco em um ato teatral. Alguns estão presos, de cabeça para baixo, como se estivessem em paus-de-arara, amarrados por pedaços de tecido. Eles são soltos e os tecidos são mostrados ao auditório. São bandeiras da UNE, bordadas com flores. Os jovens começam a cantar aquela que seja, talvez, a maior canção de libertação da história do Brasil. O refrão diz “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

Aparece um bumbo, um pandeiro e começa o samba. Antes de todos saírem, um último estudante vai ao palco e toma o microfone para a última intervenção. É um poema de Honestino Guimarães, escrito em 27 de novembro de 1965. Uma das estrófes  diz:

“Eu espero a festa do mundo inteiro
A cantar a manhã que já chegou
Mais bela que as outras manhãs.
Porque a noite que a precede
É uma noite mais negra que o comum das noites”


As luzes estão acesas. Os estudantes decidem vencer a noite com festa e deixam o auditório ao som do samba.
 Artênius Daniel

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